quarta-feira, 20 de julho de 2011

sangue real

A expulsão de Éden foi o primeiro marco de tempo. Antes dessa, Adão e Eva foram imortais pela sua criação não constituir marco cronográfico. Talvez um neologismo como cronônico, junção de tempo em Cronus com  icônico, no sentido de marca visual contingente de significado; "significante visual". Assim sendo, a imortalidade de Eva e Adão consistia na infinitude de sua criação. Não gosto do sentido ético da relação com o Fruto Proibido, com a Árvore do Conhecimento. Afinal de contas, se Deus já os advertira a não comer tal fruto, já se estabelece um sistema ético, com uma norma explícita: "Não comam o fruto da 'Árvore do Conhecimento'". Isso para mim seria um erro de lógica; negar o mandamento divino já é o pecado. Deus como onisciente e eterno sempre teve conhecimento do pecado e da escolha antiética humana. Deus criou o Homem, dessa forma, para pecar. Deus só conhece o que é verdadeiro, Deus não conheceria e, conseguintemente, não conceberia o Homem se esse não pecasse. A essência do ser humano é o pecado. O que seria o pecado, então? O Fruto da Árvore Proibida traria o que para o Homem?

Só me vem à mente que o Fruto da Árvore seria, de fato, a consciência sexual de seus corpos, o conhecimento do erotismo e da lascívia, assim como diz a doutrina de William Marrion Branham (oh, Wikipédia, shame on me) - porém, se tal tendência ocultista de uma linhagem satânica Cainista, ou mesmo de uma Serpente antropomórfica. Pode ser bobagem, mas a mim o fato do animal ser uma serpente e de ter um fruto, ainda mais, uma maçã, é muito sugestível como parábola à fertilidade, à origem da vida como espermatozoide e óvulo/ ovário. A largos passos, a Árvore e o Fruto proibidos possam parecer como uma alegoria ao patriarcado: o Fruto, feminino, é passivo, está sendo oferecido para ser pego; a Serpente, masculina, é ativa, e seduz Eva a colher o Fruto e consumi-lo com Adão. Considerando-se o mito de Lilith como verdadeiro - o de sua existência, e não sua transformação em Serpente e sedução de Eva (ainda que isso gere uma interessante teoria de relação de Fruto proibido como lesbianidade e Lilith como alternativa sexual-dominante de Adão) -, podemos pensar em tal ponto como a passagem de matriarcado e culto da Grande Mãe (talvez aí o porquê da relação Lilith e Árvore proibida) pro patriarcado e culto de Deus/ Pai celestial. Afinal de contas, talvez o fruto fosse a descendência, pois somente após serem expulsos do Éden e de assim terem a consciência da sexualidade, Adão e Eva tiveram sua prole (em tese iniciada pelo varão Caim, 70 anos após a expulsão de seus progenitores do Éden).

O Fruto da Árvore então é a sexualidade, e a expulsão do Éden o marco cronônico da mortalidade do Homem. Assim, com o distanciamento do marco cronônico inicial e a noção de envelhecimento, cada geração de patriarcas cristãos se torna mais mortal, mais efêmera. Os primeiros antepassados antediluvianos talvez tenham vivido por tanto tempo, por centenas de anos, em função do seu próprio marco cronônico ter também se dilatado: Adão, ao menos, viveu por 900 anos, alcançado sua oitava geração. Logo, Sete, da segunda geração (sendo Adão e Eva a primeira geração), viveu cerca de 100 anos até a morte do seu progenitor; Enos, da terceira, pouco menos, e assim conseguintemente até chegarmos em Noé, em tese o último dos "milenares", cuja prole diminui substancialmente as centenas de longevidade. Isso corroboraria tal tese do marco cronônico, afinal de contas, com o dilúvio, a prole dos antepassados se tornou distante do que havia até então da humanidade. Só Noé, que foi pai tão somente aos 500 anos, continuou com tal herança. Já seu filho, Sem, só o acompanhou por 450 anos, metade do que era então habitual. O seu filho, neto de Noé, acompanhou esse por ainda menos, 350 anos, e seu próprio pai por 500. Não por menos morre com 438, e seu filho com 433. Até o tempo de Jesus Cristo, notavelmente o limite de longevidade já estaria numa só centena. As condições então de sobrevivência com certeza ceifariam ainda mais décimos, com mortes sexagenárias ou menos.

Nós da contemporaneidade estamos recobrando artificialmente o "centenário longevo". Não é mais uma questão de extensão da alma, de decréscimos da antiga longevidade infinita por distanciamento cronônico, mas sim pela condição de restauração e conservação da carne. Talvez nós estejamos de fato no tempo do Apocalipse, onde adolescentes, ainda no seu um décimo de vida, já sofrem dos males do atrito entre sobrevida e morte, com suas obesidades, hipertensões e estresses. Acontece que, se não mais morremos por disenteria ou anemia como há dez ou mais (ou menos) séculos atrás, hoje morremos por condições contextuais que, ainda que sejam completamente diferente daquelas, mostram-se iguais em efeito. O capitalismo é o novo vício, e talvez a redenção - o comunismo pleno - seja utópica e pós-apocalíptica. O comunismo é o novo Éden, o comunismo é o Paraíso velado.

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